31 março, 2005

As brancas nuvens pelo céu guiadas

Em nuvem rala no céu se vê o adeus do Tempo, e assim eu me despeço dele. Eu olho, admiro aquela massa de névoa, que ao longe circunda o meu dia e depois rezo. Na verdade, peço a qualquer coisa que possa valer como força mística, para que não se passe nunca, o tempo para este Tempo que evoca meus desejos.
Ó qualquer coisa que haja por entre tudo
Que eu não venha a perder de vista uma só nuvem, mesmo que desgarrada
Pois se assim se fizer, eu mesma me desgarro deste corpo a procurar esta ovelha tão amada.
Não que o dia não se cumpra como todo o dia deva se cumprir. Não que o meu dever não seja feito ou malfeito por apenas ter de fazer. É que me soa tão mais límpido o dia e tão mais amena a tarefa, quando passo e acompanho, tímida, o passar desse meu Tempo, tão caro.
E à noite, eu vejo às vezes, as ovelhas brancas se recolhendo por entre espaços que não alcanço, mas sei que não tardarão em voltar e por isso, durmo tranqüila, contando as estrelas que me fazem sonhar. Esses sonhos que tenho são muito mais sonhos quando a noite não me leva meu rebanho. Quando sonho sem precisar às estrelas implorar, por qualquer pedaço de ilusão, pois a minha própria, não se recolhe, se mirando nessas nuvens de algodão.
Fica ilusão poupada, do dia que te desacredita
Ó bem amada!
Não fique a mercê dos astros celestes, dos pastores campestres
Que só fazem levar meu rebanho rumo ao que para mim parece nada.
Por tudo que se passa nesse tempo que se encaminha, de Tempo ter que passar.
De Tempo ter que levar do arco no céu que pouco, com minha vista alcanço, esses meus pequenos presentes da minha ilusão. Essas pequenas formações poéticas que me inspiram a prosseguir no sonho, mesmo que acordada. Por que assim, das estrelas me torno independente, por que do rebanho me torno pastora nata.

30 março, 2005

Essas minhas partes

Os meus olhos são bons para ver,
E devo agradecer por que nunca me falharam.
Mas guardam uma certa tristeza, esses olhos fundos...
Olhos fundos que deixam qualquer emoção minha rasa.
Que cores persistem nessas doces meninas!
Que amores se escondem?

Minha boca tem de sobra dentes
Que até hoje me foram fortes. Que assim seja!
Há nela também uma língua lânguida
Que se afia por qualquer sutileza hostil
E que não se agüenta sã, quando enamorada
Proferindo malfazejos ou o seu contrário, tudo por capricho.

Os meus ouvidos escutam
E se escondem nos cabelos fartos,
Pois preferem ignorar o que não gostam
E encontrar os gracejos que os seduzem
Numa bela voz, e palavras aveludadas
Um apelo por palavras bem cuidadas.

Os meus braços se estranham grandes,
O que em nada resolve o seu porte.
São de uma ondulação desajeitada
E também de entrega, quando de carinho...
São zelosos com mobilidade e delicadeza, e
Desembocam em mãos esguias e confortáveis.

Essas mãos com as quais ainda clamo
Que retorcem a falta de tato
Por que o tato lhes é tudo!
E tocam, e acariciam e expressam o que querem
Já que muitas vezes a razão não permite esse ato.
Mãos firmes que embalam as vidas dos que amo.

Meu colo se abre fresco numa brisa.
Bem de leve e devagar, por que a pele
Se ressente ao arrepio de qualquer toque.
E acontece um dar de ombros
E calmamente o peito desce do arfar ansioso
Almejando não mais se agitar.

É justo o arfar que acomete febril meu ventre
Quando movimenta meu corpo para a inquietação.
Por fora fica um desassossego,
Porém dentro, acalenta a calma de quem sabe esperar
Um esperar de criação, de abnegação a tudo que é de fora
Assim acalmando, por isso querendo e sempre esperando.

Por fim minhas pernas teimam em sustentar o corpo.
A verdade teimosa da solidão de seus passos
Que sustentam, de certo, mas não solitárias.
Essas pernas arredias, alongadas e sonhadoras.
Querem me levar para que lugares? Quais rumos, quais estradas?
Que corpo pode seguir tantas vertentes sem se tentar partir?

29 março, 2005

A Roda, a Dor, a Volta e a Flor

Gira a roda da vida , a grande roda
E nela eu giro e sou jogado de bom grado;
Conquanto meus passos se sintam livres em troca,
E se libertem na farsa desta roda que me bate,
Contra a rocha do litoral, contra as grossas paredes de meu pesado Fado.

E nesse movimento de girar e tornar a virar, de tombar a cabeça e sentir-me
Tonto do céu, da terra e de mim mesmo, eu tento um pouco certo, remediar.
Desfazer o descompasso de meus atos,
Pois de sobremaneira, de mim e de meus medos estou farto,
Dos sonhos que tive, de ver desfeitos esses laços
De angústia, de receio e melancolia.
Eu tento puxar forçoso desta roda, a fantasia
E ao largo, vejo, para ela, o estreito zelo de minha poesia,
Que vai e não volta.

E por que um dia fora e não sabe voltar, chora.
Arde no tentar desnorteado de entrar na viva roda que teima em girar
Em sentido de sofreguidão, em meio a tanta vigília de meu sonho.
Como não entrar nesta roda, e como um dia conseguir dela sair?
E saindo, por que voltar a girar e tombar e a percorrer, incauto esse caminho,
Que volta e que não volta ao mesmo lugar que de um dia saiu?
Querendo entrar mas como, não sabendo, por que já se esquece de quando girava;
E sonhar saber dos passos que dava, não consegue, por que não sabe se era sonho
Aquela cantiga que ao longe escutava,
Ou se prece, aquele amor que se tingia de veneno.

O não deixar dessa roda que não cessa o movimento
Que cerceia o passo do meu destino, tomando ela o próprio remo.
Querendo cair por terra o sonho que tenho de jamais acordar
Desse arder veemente, que deixar eu nunca quis.
Ninguém larga a roda por que não se pode saber nela como entrar,
No lugar exato onde o sonho deixou de sonhar,
Onde a firmeza dos pés, de si própria esqueceu-se de plantar
E não se pode dessa roda uma flor que se queira retirar
Levar ao chão o espinho, sem que o giro não te faça cortar
E sangrar e voltar à roda, por que dessa roda eu me vicio da flor
Que em bela cantiga ao longe, eu ouvi soar das lamúrias de um pastor.

28 março, 2005

O que de muito se espera

São as sensações de uma vida inteira girando na cabeça e estremecendo os lábios quase numa prece. É um sabor de infância misturado ao cheiro de maresia, lembrando de tantas tardes a procura de peixinhos no imenso mar azul. É o medo de um adulto bravo, de uma nota baixa, de um mundo que teima em não se revelar. E de repente aquele mundo aparece abruptamente e some, e o chão treme simplesmente por que não é pisado tão firme. Essas sensações ora de estagnação, ora de mudanças repentinas aumentam uma expectativa pouco real mas muito boa de sentir. E assim as certezas aumentam, mas não parecem tão certas. O ponto é que aprendemos e entendemos que aceitar essa relatividade é amadurecer, e a sensação de orgulho termina a tarefa de tirar a firmeza de nossa pisada. Para que o chão? Se chega então a uma sensação de mudança, cuja base é o fato de não se poder voltar atrás; e o que se sente é o inesperado, mas não, o inesperado que me faz pisar novamente o chão, e sim o chão que me ajuda a evitar o inesperado. Volto portanto a querer a imensidão do mar e a areia fria afundando meus pés

Da experiência e amor a vida

Sentou aos pés do avô querendo desfrutar de sua experiência, de seu amor para com tudo. Não entendia o olhar acalentado sobre o que tocava. Via um êxtase quase etéreo, de tão suave que demonstrava ser. Via um deleite ao presenciar fatos dos mais insignificantes, mesquinhos, e claro dos mais apaixonados também.
Pensava ser santidade aquilo que presenciava. Era mero detalhe toda uma vida igual a todas as outras ,a de seu velho avô. Esquecia-se das brigas, brincadeiras, amarguras e demais sentimentos e acontecimentos que o aproximavam da humanidade que um dia emanara.
Querendo saborear ainda mais esse momento, querendo tomar para si aquele modo de ver e viver a vida, perguntou ao avô sobre tudo o que a afligia, ou enchia de curiosidade. A resposta veio em tom baixo, um pouco arranhada pelo tempo. Presenciou o instante mais humano de seu avô quando este lhe deveria ensinar a sublimá-lo. Percebeu então que ansiava extremamente pela vida, que a invejava e que não duraria por muito mais seu momentos de despedida.

26 março, 2005

Prezada imensa massa de leitores da Fábrica Ltda.,

Inauguramos hoje nosso novo Serviço de Atendimento ao Consumidor. É um serviço terceirizado; antes realizava-o o próprio Blogger, mas, dada a sua pouca praticidade, optamos por otimizar nosso atendimento recorrendo ao HaloScan. Consumidores da Fábrica Literária interessados em relatar dúvidas, sugestões, esporros, reclamações, xingamentos, pedidos de ombro amigo, ameaças ou afins, podem dirigir-se ao link abaixo de cada post. O antigo serviço estará no ar ainda por um tempo de adaptação. Agradecemos a compreensão!

25 março, 2005

Excesso

Tinha pressa, os passos pisando firme, pouca terra no chão muito lixo, obstáculos, rua irregular, os lixos nos espaços entre paralelepípedos - pontas de cigarro do dia inteiro, sujeira não se sabe de onde que forma uma massa estranha mas única e que faz parte do que se pisa. A sola entra em contato com a imundície dos dias infinitos, não acaba nunca. E tudo acumula. O cimento se mistura na parede, não tem uma definiçao nítida, são prédios feios, um do lado do outro, mais coisa irregular. A gente passa, passa não vê. Vê, mas não enxerga, não percebe. É assim, tá sempre ali, perceber o quê? A classificaçao das coisas percebíveis determina o que se vê. Ele via, via mas não conseguia captar porque não tinha classificaçao, e o cérebro incomodava com essa falta de categoria, isso que dizem que sem palavras não se pensa. Pensa, mas incomoda. Os lixos nos espaços do cimento incomodavam não o sapato, era uma coisa ou outra que aparecia mais forte e, droga, sem categoria. É uma massa de coisas a se ver tudo junto, todo mundo se mexe junto, eu não sei o que eles fazem. Eu não sei onde ando, eu só tento desviar, tem muita barraca, não quero comprar, quero chocolate, não quero mão no bolso, minhas mãos apenas pendem e esbarram. Ele esbarra, esbarra e anda e tem pressa. E coisas aparecem, brinco, boca, lâmpada, sapato, chão, sujeira, papel.

22 março, 2005

Nem muito dormir, nem muito amar

Me pegou de jeito aquele homem,
E para quem acha que isso tranquiliza
Só posso dizer que desde então não durmo.
O olho vacila com o passar do relógio,
Mas o bater do coração, não. Hipnotiza.

E as órbitas vagueiam loucas por sua sombra,
E as mãos puxam o lençol da cama,
E tudo se retorce e se ajeita.
Como disse, não tranquiliza.
Mas o sono vem, vence e reclama.

Reclama por teu lugar, sono!
Vem e toma teu posto, por misericórdia,
Que minh'alma não suporta esta agonia.
Deve ser masoquista, por que até no sonho
Espanta as flores e me lembra, e instala a discórdia.

Briga feia entre meu sono e esta loucura
Este estupor que ateia fogo à vida.
Ao longo de uma madrugada escassa de descanso
Pelo menos os olhos são forçados a ficarem cerrados,
E quem pensa ter chegado ao fim, não verá minha loucura vencida!

Ela cede por querer continuar,
E para isso meu corpo precisa dormir,
Pois após a noite, ela pode como quiser, me acordar.
Claro que pensando, desvairando, suspirando, esperando.
Mas sempre imaginando outra vez aquele homem me vir a sorrir.

Bela Marília, de outros tempos, de sua infância...

Marília sentiu leve a onda bater em seu pé; mas não foi onda aquilo, disse a criança a seu lado. Era o restinho da onda que veio aqui dizer "olá". E a criança perto de Marília correu por entre os vários "olás" do mar e os saudou rolando na areia e Marília ali, olhando a cena e querendo fazer uma expressão de choro. Queria se emocionar, mas não conseguia. Acabou rindo. Marília precisava de emoção mas não sabia a quem pedir ou onde procurar, e quando conversava sobre isso com alguém, incialmente acreditavam estar ela precisando de aventura. E por que iria ela querer aventura? Queria quietude, que não possuía. Queria amparo, que não conseguia. Queria zê-lo, que pedia e não lhe davam. Tamanha era a negativa para as suas necessidades que acreditou ser uma fase de sua vida, mera carência ou qualquer outra frescura, mas enganava-se. Tudo nela já havia decidido por uma pausa na maneira de vida que tinha, decidira por um outro passo que nem ela própria conseguia realizar consciente e o caminho que seria um bom sinal, abria em delta a sua frente.
Olhando a areia sentia frio, por que aquela imensidão lhe deixava só, e como não gostava de frio, achou que sua época sozinha já bastava. E para quem isso teria importância? Era uma boa pergunta a ser feita por si mesma, pois não via chance de alguém, verdadeiramente, se importar. Queria ser o apoio de alguém, ter esse apoio e sentir-se integrada. Que palavra! Que desejos! Eram de uma criança. Coitada!
Marília, Marília, lhe diziam. Só por que pedia. Lhe avisavam para não se aninhar em vida alguma, mas precisava viver aquilo que sua vida e seu corpo almejavam. Como poderia resistir aquele apelo? Era ela querendo ser outra e manter-se a mesma era uma ofença. Entregou-se a pobre Marília à mendicância. Pedia emoção, pedia afeto, pedia para que o outro pedisse também, mas como mendiga, não lhe dirigiam sequer olhar. E Marília ficou só. E até agora vive só. Mendigar emoção a fez perder o pouco que guardara da infância. Bela época, bela Marília, de sorriso largo e olhar doce que brincava na areia da praia saudando o restinho de onda que vinha dizer "olá".

17 março, 2005

Eles passaram e eu também

O João passou por aí,
O aí da minha juventude.
Junto com ele foi o José,
O Henrique, Eduardo, Carlos...
Ah,juventude volte com eles!

Foram tantos que passaram
E eu passei também pra eles,
E quando na rua os encontro,
Quero achar o que me levaram
Mas não sei o que de fato se foi.

Um olhar simpático, um cumprimento talvez.
O que não diz nada além de cortesia
Mas que me mostra que não de todo eu passei,
Nem eles de mim se foram totalmente
Por que sinto agora que deixei a juventude pra trás.

Praguejava antes essa lembrança que tinham.
Não que tenham levado toda essa seiva poderosa
E vejo hoje que a entreguei feliz,
Satisfeita por que senti que também as deles um pouco guardei;
Mas por que se deles guardei pouco, de mim levaram muita.

Uma confissão de meus erros

Nesta vida de tantas escolhas eu me pergunto se acertei realmente alguma. Como eu, e tantos outros quisemos ter certeza sobre o turbilhão de fatos que nos rondam e que nos fazem agir, mas não tivemos. Tento escolher a roupa que uso e até hoje acerto (pelo menos algo!) mas se errasse me internaria. Imagino se confundisse o roxo com o preto e saísse de casa com uma roupa assim...Se na roupa acerto, já não posso dizer o mesmo do resto.
Erro, na atitude, na palavra e até no carinho. Que tuas costas não reclamem da minha mão pesada, dura demais para uma mulher; mas se tento disfarçar essa minha rudeza gestual, o olhar me entrega e eu fico só. E na solidão erro de novo ao estendê-la mais do que deveria, por que você em algum momento me procura e eu te rejeito, e não aprendo que depois disso eu sempre choro. Não saio dessa agonia.
Me enterro em um trabalho igual a tudo que vejo fora e permaneço reclamando em qualquer lugar, e sempre pra você, ou de você, ou com você. Isso de fato acontece pois somos iguais, não só entre nós , mas a todos sobre os quais reclamamos, com quem reclamamos e, novamente erro, por que nunca aceito essa condição de igualdade. Não quero ser igual a você, nem parecer igual para você, por que minha insegurança não permite que veja em outra pessoa o mesmo que vê em mim ou em você mesmo. E com isso, o que faço é afastar-me de tudo que me é comum, do que reconheço desde que acordo até o momento em que adormeço (melhor quando ao teu lado) para tentar enfim acertar alguma coisa.
Que eu acerte, e isso é uma súplica ao que inclusive vivo errando, um Deus que nem sei se erra ou acerta ao nos manter assim, para que tudo fique do jeito que está por que ainda consigo te reconhecer quando acordo e ainda te procuro para adormecer. Por que sinto os mesmos sabores errados de uma comida mal feita, mas por que o aroma de um fruto doce me apaixona. Gosto de ver na rua as mesmas caras de manhã e encontrar o meu trabalho ruim com gente boa, ou ruim, ou insignificante, simplesmente por que é a vida que reconheço e por fim reconheço minha pequenez e constato meu erro de viver e a certeza de não poder corrigir.

16 março, 2005

A Estela de minha vida

Essa garota, a Estela
Que vem aqui todo santo dia
Que raia na madrugada como estrela
Atrasada para voltar para o manto celeste
Na esquina das ruas se perde
E eu me esforço para conseguir vê-la.

Estela da minha vida
Me entrelaçou nas redondezas de uma tal de Vega
Ou seria de Orion?
Me fez pagar passagem da viação Cometa
E ainda deixa que sua mãe se meta
Não bastasse reclamar de comida com "onion"?!

Frescura dela, frescura de todos
Mas sem Estela sinto falta de frescura
Sinto falta de onion, ou não. O que é onion?
Estela vem de uma constelação emergente
E quem pensa que amor por mim sente
Não a viu girar entre Vega, ou melhor se entregar a Orion.

Gerações

Ela vivia feliz com ele, numa casa triste de um cinza insosso e de um piso cru. E por mais que suas amigas lhe dissessem que não era grande coisa ser mulher de um homem, e não mulher de sua própria vida, assim vivia ela satisfeita. Era viver a vida de outro,carregar seu peso para aliviar a dor, olhar seu rosto cansado e poder contar com o apoiode seu peito ao dormir. Vivia pois feliz e desta mesma maneira sua vida terminou.
A filha dela também vivia feliz com seu marido, mas não aguentava o cinza nem o cru. Discutia sempre com suas amigas sobre os defeitos de seus esposos, mas enaltecendo o quanto era bom o sustento garantido de um lar e o amor que aflorava sazonalmente daquele cotidiano. Sentia-se não menos amada, mas menos dependente pois agora havia a conta conjunta. Sua vida ainda não terminara quando decidiu que o casamento sim, mas não enxergando futuro sem o amparo do marido, casada permaneceu.
A neta dela vivia feliz com seus namorados e também viveu feliz com seu ex-marido. Nem chegou a querer filhos e não os teve. Passou a gostar do cru para ambientes rústicos e o cinza sempre lhe pareceu blazé. Um homem podia ser bela companhia, mas amigos poderiam ser melhores, dependeria da ocasião. Sentia-se mais solitária que as demais, mas diversamente amada quando queria e quando a queriam. Não casou-se novamente, mas ainda mantém contato com seus antigos namorados, marido e casos. É totalmente independente, mas não se apoia em peito algum, nem admira seu cotidiano, pelo contrário, o detesta.

15 março, 2005

A insanidade e a devassidão: eu e você

O homem que confundia a vida,
Que olhava, que instigava,
Que era desconcertante.
Era um devasso, um insano,
Trajava bem um terno
Como qualquer outro pedaço de pano.
Um homem tão cheio de coisas na estante,
Sua vida em passagens quaisquer gritava
Em fotos,papéis, por uma volta, por uma ida...

Esse homem confudia também minha vida
Me olhava e tentava me instigar.
Não conseguia tanto quanto lhe era interessante.
Me tentava devasso e eu lhe respondia quase insana:
Que mal havia em ser tal devassa quanto?
Uma mulher sem coisa alguma de fato interessante,
Uma vida sem fotos ou papéis
Que ele queria colocar na estante.

Dois loucos confundindo a vida...
Se olhavam desconcertantes,
Se entrelaçavam insanos em qualquer pano,
Se falavam devassos.
Instigando, gritando, pedindo, chorando.
Um por ventura tinha estante,
A outra estava lá em fotos
Entre tantos papéis e memorandos

Um ficou louco de amor,
A outra caiu no esquecimento.
Olhando insanos nas ruas,
Vivendo a devassidão separados.
Trajando qualquer pano.
Guardando qualquer papel.
Sem ter estante pra guardar.
Sem poder ser foto desconcertante
A constar na estante de outro alguém.

14 março, 2005

Um apelo de cama

Vem a mim o teu leito
E sem mais delongas me recebe
Como na hora em que primeiro quis
E passou a querer, por dias e noites

Na hora em que imagino e toco
O lençol e a madeira daquela cama
Quando o leito pede ou quando esquece
Mas quando, principalmente lembra meu nome

Eu cativei tua cama e agora nada
E mesmo assim, se somente ela quiser
Juro que não terei orgulho capaz de negar
Um chamado tão doce e delicado

Me chama então!
Cede aos pedidos de um móvel
Que lhe é tão caro e fiel sem que perceba
Por que somente a mim recebe, por que te amo.

13 março, 2005

No meio do caminho havia uma menina Havia uma menina no meio do caminho

Sentada em um caminho de pedra uma menina olhava o curso da vida. Essa menina olhava e não tomava rumo pelo caminho. Quando precisou seguir, parou. Quando precisou escolher, voltou-se para dentro de si, num aconchego que criara para não sofrer. Era o desalento que temia. Era a solidão que a espreitava. E no meio de tantas idas e vindas de sua frágil consciência, ela decidiu esperar. O esperar que não cobra, que não finge e que principalmente, lhe acoberta. Lhe acoberta por que acolhe seu medo e o disfarça, por que a deixa respirar.E assim o caminho de pedra era, uma espera materializada, pois estaria ali por tempos até que pudesse levantar e seguir. Até hoje ela está lá, pensando, pesando seus sentimentos e culpas por ali ter permanecido. Julgando sua covardia. Assim amou o caminho de pedra e o culpou, e o amou novamente. Arraigada ao rumo de seu receio, fixa seu olhar na escolha do próximo paralelepípedo a pisar.