30 março, 2005

Essas minhas partes

Os meus olhos são bons para ver,
E devo agradecer por que nunca me falharam.
Mas guardam uma certa tristeza, esses olhos fundos...
Olhos fundos que deixam qualquer emoção minha rasa.
Que cores persistem nessas doces meninas!
Que amores se escondem?

Minha boca tem de sobra dentes
Que até hoje me foram fortes. Que assim seja!
Há nela também uma língua lânguida
Que se afia por qualquer sutileza hostil
E que não se agüenta sã, quando enamorada
Proferindo malfazejos ou o seu contrário, tudo por capricho.

Os meus ouvidos escutam
E se escondem nos cabelos fartos,
Pois preferem ignorar o que não gostam
E encontrar os gracejos que os seduzem
Numa bela voz, e palavras aveludadas
Um apelo por palavras bem cuidadas.

Os meus braços se estranham grandes,
O que em nada resolve o seu porte.
São de uma ondulação desajeitada
E também de entrega, quando de carinho...
São zelosos com mobilidade e delicadeza, e
Desembocam em mãos esguias e confortáveis.

Essas mãos com as quais ainda clamo
Que retorcem a falta de tato
Por que o tato lhes é tudo!
E tocam, e acariciam e expressam o que querem
Já que muitas vezes a razão não permite esse ato.
Mãos firmes que embalam as vidas dos que amo.

Meu colo se abre fresco numa brisa.
Bem de leve e devagar, por que a pele
Se ressente ao arrepio de qualquer toque.
E acontece um dar de ombros
E calmamente o peito desce do arfar ansioso
Almejando não mais se agitar.

É justo o arfar que acomete febril meu ventre
Quando movimenta meu corpo para a inquietação.
Por fora fica um desassossego,
Porém dentro, acalenta a calma de quem sabe esperar
Um esperar de criação, de abnegação a tudo que é de fora
Assim acalmando, por isso querendo e sempre esperando.

Por fim minhas pernas teimam em sustentar o corpo.
A verdade teimosa da solidão de seus passos
Que sustentam, de certo, mas não solitárias.
Essas pernas arredias, alongadas e sonhadoras.
Querem me levar para que lugares? Quais rumos, quais estradas?
Que corpo pode seguir tantas vertentes sem se tentar partir?