29 março, 2005

A Roda, a Dor, a Volta e a Flor

Gira a roda da vida , a grande roda
E nela eu giro e sou jogado de bom grado;
Conquanto meus passos se sintam livres em troca,
E se libertem na farsa desta roda que me bate,
Contra a rocha do litoral, contra as grossas paredes de meu pesado Fado.

E nesse movimento de girar e tornar a virar, de tombar a cabeça e sentir-me
Tonto do céu, da terra e de mim mesmo, eu tento um pouco certo, remediar.
Desfazer o descompasso de meus atos,
Pois de sobremaneira, de mim e de meus medos estou farto,
Dos sonhos que tive, de ver desfeitos esses laços
De angústia, de receio e melancolia.
Eu tento puxar forçoso desta roda, a fantasia
E ao largo, vejo, para ela, o estreito zelo de minha poesia,
Que vai e não volta.

E por que um dia fora e não sabe voltar, chora.
Arde no tentar desnorteado de entrar na viva roda que teima em girar
Em sentido de sofreguidão, em meio a tanta vigília de meu sonho.
Como não entrar nesta roda, e como um dia conseguir dela sair?
E saindo, por que voltar a girar e tombar e a percorrer, incauto esse caminho,
Que volta e que não volta ao mesmo lugar que de um dia saiu?
Querendo entrar mas como, não sabendo, por que já se esquece de quando girava;
E sonhar saber dos passos que dava, não consegue, por que não sabe se era sonho
Aquela cantiga que ao longe escutava,
Ou se prece, aquele amor que se tingia de veneno.

O não deixar dessa roda que não cessa o movimento
Que cerceia o passo do meu destino, tomando ela o próprio remo.
Querendo cair por terra o sonho que tenho de jamais acordar
Desse arder veemente, que deixar eu nunca quis.
Ninguém larga a roda por que não se pode saber nela como entrar,
No lugar exato onde o sonho deixou de sonhar,
Onde a firmeza dos pés, de si própria esqueceu-se de plantar
E não se pode dessa roda uma flor que se queira retirar
Levar ao chão o espinho, sem que o giro não te faça cortar
E sangrar e voltar à roda, por que dessa roda eu me vicio da flor
Que em bela cantiga ao longe, eu ouvi soar das lamúrias de um pastor.