22 janeiro, 2005

Inspirado em "Hallelujah"

Não morava sozinho, mas a casa estava vazia. Chegou silenciosamente, e quando percebeu a ausência dos outros entrou mais aliviado - mas um pouco mais triste também. Se é que se pode chamar de tristeza aquela sensação. Talvez melancolia. Aquilo que vicia, aquele que suga, geralmente não é a tristeza. Sentia algo não doído, mas um pertencimento e reconhecimento a todos os Jesus & Mary Chains, Elliott Smiths e Morrysseys da vida. Era um deles. Sim, só que sem glamour. Quando entrava em casa, até a chave parecia não se acostumar a seu lugar, pois que ele tinha que ajeitá-la de um modo todo especial para que abrisse. Só então a porta rangia, e o seu espaço o acolhia, com seus mesmos móveis, mesmo cheiro, mesmo ar, mesma densidade.

Jogou os objetos que tirou dos bolsos sobre qualquer cadeira. Olhou em volta, e procurou o que comer. Parou com o sanduíche a meia distância dos dentes para perceber como estava tudo tão insuportavelmente parado ali. Parecia inconcebível que as pessoas se movimentassem lá fora. Parecia surreal que do outro lado do mundo guerras estivessem acontecendo, festas ocorressem em sua própria cidade, ou mesmo que o vizinho utilizasse o liquidificador no momento. Mordeu o sanduíche até um pouco desacostumado, resistente ao mexer dos músculos.

Ficou ali parado, encostado na pia da cozinha, a observar o nada. Coisa alguma transparecia nos olhos, na testa, na posição do corpo. Estava a sós com o silêncio e a ausência de pensamentos. Nem frio sentia, nem calor. Talvez seus sentidos o tivessem abandonado. Ressoava em sua mente a música do filme que tinha visto na semana anterior. Um instrumental em tom menor, um som leve de cordas, uma melodia que se repetia, devagar, esvanecendo, diluindo, até formar-se de novo seu início. Pôs-se a observar os milímetros do cômodo, devagar, até chegar à sala, como se tomando cuidado para não deixar cair algo de frágil que carregava. Tinha medo de esquecer a música. Sentou na única poltrona da sala. Em frente ao único armário. Pensou em escrever para Ela, contar sobre o filme, sobre aquela sensação, contar sobre a música, e sobre como era bonita. Mas... ela nem se importaria. Acharia bonita, nada mais, e nem se comoveria com o tom menor das cordas que se repetiam na memória dele.

Não escreveu nada. Não comeu mais nada. Depois do sanduíche, esfregou levemente as mãos, deixando os migalhos caírem descuidadamente no chão. Não falou nada para si mesmo, não ligou televisão, nem rádio. Continuou apenas ali, esperando não sabia o quê. Talvez que a música parasse de repetir na sua cabeça. Mas continuava, e ele apenas deixou-se ficar.


1 Comments:

Blogger Madame P. Mandrack said...

Esses instrumentais em tom menor de filme sempre me deixam assim, e o pior, a tal paralisia física e mental (análise superficial da coisa toda descrita por ti) me acomete na poltrona do cinema e eu tenho que deixar de curtir esse momento porque sempre alguém me chama: -Vamos, Rita!
Muito legal, mas acho (não sei) que o final pareceu abreviado, faltou um clímax. Mas se pensar que a ideía é negar qualquer possibilidade de clímax na vida dele...
beijos

7:00 PM, janeiro 23, 2005  

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