14 novembro, 2004

Conhece-te a ti mesmo, Abaporu

Autoconhecimento antes de um ato antropofágico, esse deveria ser o cuidado prévio. A antropofagia em questão seria a de “Oswald” e não aquela relatada por Hans Staden, seria a concepção de absorção de influências externas mediante seleção consciente e crítica por parte de quem as absorve. O caminho para uma escolha positiva para a nação e/ou povo que absorve, e que com isso, transforma, há muito foi ensinada, por um grego. Sócrates era seu nome.
A maiêutica, método do filósofo em questão tem como cerne o questionamento e a partir dele a obtenção de uma verdade, ou melhor, de um ponto de vista, sobre o qual não restariam dúvidas. Esgotar as possibilidades de modo que se chegue a um extrato puro. Trazendo para o âmbito nacional, e mais precisamente, para a busca, tão observada, por uma identidade genuinamente brasileira , poderíamos colocar em dúvida não a ingestão somente, das demais culturas e influências, e sim, o ato de transformá-las.
Assim, de que “aparatos enzimáticos” disporíamos para “quebrar” e re-arranjar a enorme quantidade de dados alheios ao nosso próprio reconhecimento? Como podemos trabalhar a deglutição, que muitas vezes ocorre automaticamente, sem estabelecermos parâmetros para o porvir? “Conhece-te a ti mesmo” já dizia o mestre de Platão. Talvez essa seja a receita para o Abaporu de Tarcila e de outros tantos modernistas de primeira, segunda e terceira fases, e quiçá, de contemporâneos.
O porvir então, deve ser pensado, racionalizado e não sustentado por princípios benignos ou similares como no estoicismo. Uma nação, essa união de indivíduos que se identificam entre si pelo conjunto de caracteres comuns, seja pela cultura e pelo que decorrer da mesma, deve então pensar-se como tal, conhecer-se como um organismo cônscio de seus feitos, qualidades e defeitos, de forma que a memória social seja a medida para que saiba o que retirar dos feitos dos demais organismos nacionais.
Deveras complicado fazer de um país como o Brasil, um organismo integrado e ciente de toda a sua complexidade. Constantemente podem ser verificadas tentativas por parte de nosso povo, de nossa massa, de acompanhamento da tendência crescente de inclusão de qualquer elemento externo, como parte da conjuntura criada para aguardar a utópica Aldeia Global. Falta saber que assim como, de uma forma geral, o Homem é a medida de todas as coisas, para o nosso caso, o brasileiro deve ser essa medida. Ao realizarmos previamente a antropofagia crítica do que enxergamos como Brasil e seu povo, teremos os parâmetros para tentarmos acompanhar ativa, e não passivamente, o processo já clichê da globalização.