24 fevereiro, 2005

Incomoda

Havia uma pedinte no ônibus. Tão repulsiva a sua imagem e voz, tão convidativa a sua vida, como água de poço. Digo água de poço por que desperta curiosidade, pavor e solidão. E se digo que tal qual água de poço aquela sua figura me parecia, é pois por simples eufemismo que minha moral gostaria de empregar.
Algo de altivo parecia evidente, mas não entendo assim aquele olhar; sobretudo por que havia agressividade, revolta e pústulas por todo o corpo. Feridas de uma cor rosa de carne fresca. Os cabelos eram uma coisa disforme com um tom vulgar e opacos. Os olhos vidrados no caminho, tomavam rumo contrário ao da boca que só fazia pedir e lamentar, pedir e lamentar, pedir e lamentar.
Na verdade parecia ordenar alguma reação mesmo que de nojo. Instigar talvez fosse
sua vontade, mas em meio a tantos passageiros distantes e sem vida, fitou-me aguardando uma providência. De repente me juntei à massa disforme de passageiros e não me senti melhor do que os cabelos opacos da pedinte que exibia, agora, as feridas da axila esquerda.
E após isso a pedinte ficou na rua e a massa opaca de passageiros, ofuscada pelas pústulas, continuou. O que teria dito à pedinte? Qual o motivo de seu impacto em meu trajeto? Ainda fica sua imagem em minha cabeça e mesmo se tivesse correspondido a seu olhar e reagido, ainda as feridas me incomodariam.

1 Comments:

Blogger Alan said...

Parabéns pela UERJ!!!!

Me procura no Orkut( alan miranda)
bjx

7:40 PM, fevereiro 24, 2005  

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