20 setembro, 2006

Aquele que me erodia

Eu via as pedras se rendendo ao mar naquela noite tão fria
Eu via sim uma enchurrada de força daquele mar
Sobre pedras tão minhas, tão de minh’alma, tão ásperas
O mar batia em frieza sem igual naquela noite e as pedras quentes do dia, paradas.
Ficavam imersas no calor da força e na frieza d’água.
As pedras foram fincadas ali há tanto tempo que não se esgueiravam daquela violência
Não se protegiam da frieza, não queriam se preservar daquela força que corroía
E eu ali que me envolvi na cena agora fincada observava
E eu ali que me entendia na cena fincada observava
E eu ali que era a pedra da cena fincada erodia lentamente
E do mar da pedra saía o meu mar pronto a me rebentar.

14 setembro, 2006

Voltei!

Volto a escrever neste simpático blog! Que satisfação.
Quero com esta volta atrair a inspiração que me abandonou quando o trabalho e não a escrita passou a ser a menina dos meus olhos.

16 julho, 2005

Teorias Magníficas Sobre o Comportamento Humano - Desejos Irrealizáveis

1. Sobre "As pessoas e os seus círculos de operância"

Essa eu li em um blog já extinto de uma amiga de um conhecido meu. Sei quem ela é, e lembro dela por ser uma espécie de "baixinha exemplar": ela é do meu tamanho, e muito bonita, mostra que as baixinhas - como eu! :) - têm potencial. Na verdade o endereço do blog dela foi digitado no meu browser de internet num daqueles dia sem nada pra fazer, em que, fuxicando o orkut alheio - no caso o desse meu conhecido-, encontrei um testimonial escrito por ela, de lá fui pro perfil dela, e acabei parando no blog. Inutilidades da vida. Mas vejam bem: depois que li, percebi a total validade da teoria, e como eu já tinha formulado ela inconscientemente, sem nunca ter chegado a uma idéia definida. Ou seja: as mação caíam da árvore e eu nunca tinha aprendido sobre a lei da gravidade! Ah, enfim, vamos ao que interessa. A teoria é o seguinte:

Para garantir o equilíbrio do sistema, é necessário que as pessoas que existem num determinado local onde desempenhamos uma de nossas atividades cotidianas não existam nos outros locais em que desempenhamos atividades outras.

A teoria é baseada nos diversos locais que freqüentamos, cada um com um objetivo específico (escola, trabalho, boate, macumba, seja o que for). mas em cada local desses você age de uma maneira, se veste de uma maneira, fala de uma maneira e tal. Se alguém de um círculo em que você já esteve por acaso dá de cara com você em um outro círculo, constrangimentos e/ou estranhezas e/ou qualquer coisa chata ocorre. Por exemplo quando vi uma menina da igreja que eu freqüentava na porta de uma boate. Ou quando encontrei um colega de trabalho na praia. Essas coisas. As pessoas deviam se manter no seu círculo de operância, e deveria haver uma lei superior que controlasse a freqüência de cada um, de modo a não ocorrer falha no sistema.

2. Sobre o "Vale-Pessoa"

Essa foi criada exclusivamente pelo Daniel Viana, ilustre quase-publicitário-designer-wannabe da faculdade. Segundo ele, deveria haver uma espécie de RioCard que desse direito a, uma vez por ano, ficar com uma pessoa que se quisesse - mesmo que isso fosse contra a vontade dela. Assim, cada um seria inteiramente feliz caso tivesse um amor não correspondido, pelo menos uma vez a cada 365 dias. E vejam bem, a pessoa poderia perceber a imbecilidade dela em desprezar uma pessoa magnífica como a outra, que usou o cartão. Ah, seria maravilhoso. Menos quando alguém usasse o cartão comigo, claro. Se bem que às vezes parece que esse cartão já existe, vou te contar.

3. Sobre a Inexistência da Perfeição Existente

Essa é de minha autoria, mas a mais modesta das 3. A idéia é simples: coisas ou pessoas absurdamente maravilhosas não deveriam existir. Não mesmo. Depois que você entra em contato com uma dessas perfeições existentes, nada consegue substitui-la. É o caso da pizza de frango com catupiry da Pizzaria Guanabara. Eu era feliz quando comia pizza desse sabor em outros lugares. Mas agora, com esse novo teto de comparação, todas as outras pizzarias parecem infinitamente inferiores. E como a Guanabara não é lá muito barata, a coisa fica difícil. Pessoas maravilhosamente bonitas e/ou legais também não deveriam existir. tanto no caso de você não chegar aos pés dessa pessoa quanto no caso de você ter tido um caso com ela, é sempre frustrante. E isso ocorre com filmes também. Quando vi Clube da Luta e Amnésia, por exemplo, fiquei me perguntando por que todos os outros cineastas ainda não tinham desistido da profissão.

29 maio, 2005

Briguinha de Guarda-Chuvas no Engarrafamento

"A Insustentável Leveza do Ser" é O livro. Ele é romance, história, filosofia, reflexão, política, metafísica... Se ele não existisse, o mundo estaria menos completo. Tudo bem, deixemos a babação. Mas em um trecho desse livro, uma das personagens sai de casa em um dia de chuva, e se depara com um monte de outras pessoas disputando o espaço urbano para seus guarda-chuvas, uma ambição ridiculamente prosaica levada ao extremo da seriedade. Os cidadãos desconhecidos olham os "concorrentes" de cara feia, não deixam os outros passarem, porque se não sofrerão com os pingos d'água. E a tal personagem fica a observar, cheia de raiva, como aquelas mesmas pessoas poderiam estar tão unidas na época da guerra, em que ela própria ajudara na defese do país. Agora, parecia que nada mais existia, apenas a honra de se manter seco.

Outra história: vinha eu em meu ônibus matinal, atrasada, como sempre, o que foi intensificado por um engarrafamento na Pinheiro Machado. Não, dessa vez era um engarrafamento de verdade, com olhadinhas nervosas dos passageiros e fofoquinhas de "uma árvore caiu", "alguém foi atropelado" e tudo. Mas o motivo era de se esperar: uma manifestação de algum setor desprivilegiado qualquer da sociedade em frente ao palácio do governo. O que me impressionou foi a quantidade de reclamações de baixo nível contra aquelas pessoas. Se fosse uma árvore, droga de vida; se fosse chuva, droga de vida; mas como era uma manifestação, droga de gente maldita atrapalhando minha vida.

A relação entre as duas historinhas é vaga, e eu não sei se de fato existe. Só sei que na hora me veio isso à cabeça essa parábola dos guarda-chuvas. Enquanto aquelas pessoas, tão desprivilegiadas quanto as que reclamavam delas, no ônibus, estavam tentando lutar por seus direitos, os outros, embrulhados que estavam no seu interesse imediato - "vou chegar atrasado", "vou levar uma bronca", "vou almoçar mais tarde" - simplesmente condenaram os outros. Briguinha interna. Idiota, burra, individualista. Não importa se aquilo vai fazer efeito ou não, ou se existem outras formas de buscar melhoras. O que irrita é essa falta de visão, de se ver como igual, de ver que eles, pelo menos, estavam fazendo alguma coisa.

22 abril, 2005

Olhos de Película

As ruas hoje tomaram um tom de fim de tarde, uma aparência quase cinematográfica. Na verdade acho que meus olhos foram revestidos de película e vi um dia no cinema. Esse hoje não é de fato, é de tempo, de época, por que essa cobertura vem envolvendo momentos de beleza há anos. Assim como no Natal, quando consigo perceber o ruído das pequenas luzes das árvores. Parece que ando nas ruas escutando a trilha sonora da vida e sentindo que em certos momentos estou em câmera lenta, de cabeça erguida, pressentindo passos firmes e ditosos. Hoje, de dia, de data, não senti isso, mas não é sempre. Acontecendo um dia de filmagem na vida rotineira, os humores se refrescam e o hálito da noite que chega, não alivia o dia exaustivo, mas estimula a continuação do longa, que se bem percebido, é curta. Um longa de uma vida inteira, mas extremamente melhor vivido e aproveitado se desfrutado como curta.

Não sei se devo chamar minha vida de vida, simplesmente. Há momentos de película , há momentos sem, e assim continuo mudando o que cobre meus olhos por que sentir essa diferença renova os ares, sacode a poeira cotidiana deles.

21 abril, 2005

Contrastes Abstratos

Eu uma vez escrevi que adorava contrastes. E algumas pessoas vieram me perguntar o que significava isso. E eu me perguntei o que havia de complicado na frase: era o sujeito (Eu), o verbo (adorava...) e o objeto direto (contrastes)!! Nenhuma das palavras continha significado complexo. Complexo era ver a reação exagerada pra uma frase tão simplória. Eu realmente não entendi. Até hoje.

Sobre o contraste, lembro de sua primeira aparição na minha vida quando, inútil adolescente que era, inventei de tentar pintar com tinta a óleo. Um dos livros de que me servi na época valorizava cores escuras para dar ênfase às claras. E tinha uma ilustração ao lado. E eu entendi. E concordei. E admirei aquela simplicidade de constatação.

Amo pessoas razoáveis que têm cara de malucas. Amo pessoas inteligentes que são bonitas. Amo pessoas que sabem valorizar, igualmente, um comentário idiota despretensioso e as reflexões de Nietzsche. Amo pessoas que curtem contrastes, mas que também são um pouco homogêneas demais - seria que os opostos se atraem?

A partir disso, talvez eu seja homogênea demais. Ou não. A princípio, pensaria em alguns fatores sérios:

1. As pessoas me fascinam. As pessoas me irritam.

2. Eu sempre acredito que tudo um dia vai dar certo. Eu sempre acredito que tudo um dia vai dar errado.

3. Analogamente, eu só vejo coisas boas no mundo. Mas também só vejo coisas ruins. Não ao mesmo tempo, claro. Em momentos diversos.

4. Na época em que eu trabalhava numa agência de música clássica e nos fins de semana ia à Bunker ouvir rocks obscuros, me sentia a mais interessante das pessoas.


Eu poderia passar horas explicando cada um desses ítens, e tentar convencer você de que não é um caso de esquizofrenia. Mas creio que a única explicação está no quinto ítem:

5. Sou racional em meus pensamentos. Sou extremista em minhas sensações.

Um exemplo: odeio velhos quando os vejo prestes a roubarem meu lugar no metrô, mas vejo perfeitamente o quão revoltante é não perceber a validade dessa regra geral. Isso explica também o fator no 1, que é o crucial em minha pessoa.

O que eu quero dizer com tudo isso? Não sei bem. De repente fui tomada uma forte sensação de apreço pelo contraste. Provavelmente no próximo segundo estarei estranhando isso, mas que fique assim por enquanto. O pensamento contrário fortalece uma idéia. Meu lado ruim é o que me mostra ser uma pessoa melhor. A escuridão do mundo pode fazê-lo parecer ainda mais iluminado.

20 abril, 2005

O 21

O 21 é ano de vida plena. Plena de esperanças, de concepções adultas de uma perspectiva de juventude quase adolescente. Um dia chego a concepções de juventude com uma perspectiva adulta, mas isso não é para o 21. O 21 é cabalístico, por que no misticismo da vontade de criar o sobrenatural da vida, ele é múltiplo de sete, e este sim, é.
0 21 inicia a derrocada para os 30 e não quero falar mais disso.
Assim eu vou passar o meu 21, plenamente esperançosa, cheia de concepções que mudarão, tingindo a adolescente com uma coloração sóbria, para ver se forço o amadurecimento desse fruto, por que isso faz parte do sobrenatural da minha vida, do mistério de tentar ser mulher.

17 abril, 2005

"É tudo ilusão de ter passado"

Insisto em ouvir a mesma música. Desde ontem.
Alterno com outras, menos tristes, menos dramáticas, mas meu sistema nervoso quer digerir aquela outra.
Volto, e repito.

Desde ontem, também, uma frase do Drummond não sai da minha cabeça.
Uma frase vaga, plástica, moldável.
Bonita por si só.
Essa daí de cima, do título emprestado.
E pra completar, o rosto daquela pessoa não sai da minha cabeça. E aparece associado aos movimentos melódicos da música, ao significado vago da frase do Drummond. Porque eu não entendi nada do que ele quis dizer, e o poema dele agora assumiu ares pessoais, como se a frase tivesse sido feita pra mim.

Dizem que o leitor se apodera do que lê.
Engole as palavras que interpreta, e despreza as que pra ele nada significam.

Dizem? Quem diz?
Sério, eu não quero saber.
Alguém desliga o maldito som por favor.

16 abril, 2005

As Cartas

Cartas devem ser escritas mais vezes por que parecem importantes, têm pompa e respeito. Um ar solene talvez. Abrir um envelope, de maneira concentradíssima e ler o conteúdo imersa em seriedade digna de uma autoridade.
- Madame, cartas!
- Senhora, correio!
- Ei, você! Tem carta na caixa do correio.
De qualquer maneira chega a ser suntuoso receber correspondência.
Eu gostaria de pompa para as cartas que escrevo, se bem que não escrevo nenhuma...mas se escrevesse? Mereceriam atenção pois o que poderia vir em seu conteúdo? Algo de precioso para mim, sem dúvida.
O que cativa nessa prática é a forma menos mecânica e tecnológica, é o não ser atual. Remete a tempos mais exóticos. Sei lá, uma dama da belle époque com seu largo chapéu de abas e penas escrevendo a um amigo ou amante....
Eu realmente não sou atual. Não deveria ser. Quero ser uma dama do século XIX, que freqüenta cabarets e conhece a roda intelectual da época, que fuma com piteira e coleciona Monets, por exemplo. Se bem que prefiro expressionismo alemão, mas isso não vem ao caso.
Quero ter a pompa e o respeito de uma antigüidade, por que quero me sentir rara (quem assim não quis se sentir?), e quero ser lida com respeito e aberta com atenção.

12 abril, 2005

Nos olhos deles

Adiantava apenas por um ou dois meses o isolamento a que se prestavam, por que sem querer vê-la ou sem querer vê-lo, se viam. Sem quere pensar, pensávam-se juntos, quase juntos, em um meio termo, um espaço vago que nunca se preenchia.
Um dia se viam em sonho e nem sabiam que sonhavam juntos, e por poucos dias encontravam-se de fato, e esses encontros eram sempre acompanhados por um aroma de despedida. Havia sempre um abraço saudoso mesmo na chegada; aliás, todos os abraços assim o eram. Tinha, entre o olhar compartilhado, um consolo mútuo que fazia-os cúmplices sem que tivessem consciência disso, e a cumplicidade os incomodava.
A ela restava o que podia ser dado, e seu sentimento se satisfazia, mas isso não bastava para a cabeça, de certo. Qualquer cabeça, razão pensaria ser ultrajante, mas o consolo nos olhos, nas mãos e no corpo era alívio para os dias sofridos e monótonos.
A ele faltava coragem, calma, vontade de não enxergar e viver só o consolo. Era a vida que se mostrava por ela e isso o cegava.
Não querendo então essa visão, esse meio, mantinham-se apenas no consolo esporádico e periódico do não-comprometimento.
Talvez o que exista seja a vontade da presença do outro, sem qualquer função para ela. Estar lá e ponto final. Um para o outro, mas quem pode ter certeza?
Vê nos olhos dela, até quem não queira, a ansiedade da juventude, pelo amor.
Vê, por sua vez nos olhos dele, quem quiser, o amor pela ansiedade da juventude.
Vá entender!

10 abril, 2005

A Fada era...

- Eu quero! Poxa mãe, você viu no livro, dá pra fazer.
- Querida, você não prefere que eu leve todo mundo pro Mc Donald’s?
Desde cedo a fada era F., já dizia o padrasto. Inventava de um tudo. Queria que a Caloi Ceci se transformasse naquele cavalo branco de a História Sem Fim, claro, era o mais rápido de todos.
- Mas mãe, eu tenho me comportado, e vai ser legal! Deixa?!
Se inventar era fácil, convencer a mãe já não era igual. Como podia criar tanta coisa na cabeça? Futuramente irá queimar as mãos com uma poção que fará com limão para acabar com os fungos das árvores. Que atitude ecológica! Vai ficar mais de mês com as mãos enfaixadas.
- Vamos ver. Você sabe que vai depender das sua notas, e também se vou ter muitos gastos.
- Que é isso, mãe! A gente pede pra D. Maria fazer a minha roupa. Eu quero ficar igual à fada do livro. Quero uma baita festa, vou fazer cinco anos!
- Tá bom.
- Êba!
E assim foi, a D. Maria fez uma roupa azul, com manga fofa, chapéu comprido de fada, os convites foram feitos e os convidados foram chegando. Tinha uma fada adulta que contava história pra fadinha e seus amigos e tudo foi legal.
Claro que de calma a fada nada tinha. Antes da festa tirou foto em estúdio, viu o salão ser arrumado e o bolo chegar. Bolo com pó mágico! Queria que a massa do bolo saísse em disparada assim como a massa de cometa que a fada do livro tentara fazer, mas, pasmem, não deu certo!
- Olha, bisa! Minha mesa tem arco-íris e tem escorrega de nuvem pra fada brincar!
O padrinho levou uma ursa de pelúcia com bota branca e roupa azul, a prima foi vestida de paquita.
- Caraca, a ursa e a prima estão iguais!
Na hora do parabéns todos cercaram a mesa e a fadinha, e nem nessa hora ela deu trégua, fez careta pra foto e brincou no colo da bisa. Até hoje as fotos mostram que a fada era F.
Após o aniversário, o livro permaneceu como um de seus prediletos até que o perdeu em um hospital. Alguns anos depois de idéias de aniversários mirabolantes, a mãe da fada fez finalmente a festa no Mc Donald’s.

09 abril, 2005

Uma certa calmaria do coração

Não é gostar, é querer gostar. Tendo tudo que quero, ainda penso em como é ter certeza disso. Gostar de fato, querer repetir por vezes e ainda sim aguardar por uma outra vez, pois gostar é assim mesmo. Ser repetitivo não existe por que só se é repetitivo quando se quantifica, e gostar não se conta, se sente, e se sentir quero deixar de pensar na hipótese de não mais sentir. Gostar é não querer que acabe, mesmo que não continue. Gostar pode ser ideal sem ser prático pois não é sensorial, é do intelecto, ou mente, alma, essência, o que for de etéreo em palavras. Sem isso torna-se mero atributo ao cotidiano de eventos palpáveis e que, eventualmente, terminarão.
Quando o gostar é pensado finito- as vezes pode acontecer- pode não ser gostar, ou um gostar meio incerto, inseguro, pois gostar é humano, e portanto, imperfeito. E num relance descobre-se gostar, e com isso, tudo que era evento passa a ser constante e calmaria, por que para gostar não se pode afligir o coração. Não é gostar, é não querer afligir o coração. Querer gostar é não saber se a repetição foi o início ou o contrário, já que passar pelo que se gosta nunca é igual e também deixa de ser diferente, é tudo da mesma matéria que infinita e etérea se mantém num movimento gracioso de calmaria, amansando a imperfeição do coração.

08 abril, 2005

Dizer saber sem ter escrito

Digo antes de qualquer pergunta:
Sabei escrever, ou pelo menos tentai!
Como dizer saber ler sem ter escrito?
E tendo escrito, que prazer!
Somar a vida ao papel,
Ver nascer imaginação alheia.
Dizer saber ter escrito um dia,
E perdido o dom por ter parado...
Que lástima!
Creio que não há pior dor de não sentir,
Dor de uma mente infértil.

07 abril, 2005

Cá dentro uma dualidade

Andando em uma rua dei-me conta da vaidade. Olhei para o mundo e enxerguei, numa vista escurecida pelo pessimismo a tal fogueira de que me falaram. O pior foi olhar e me ver ardendo nela, sem ao menos sentir a queimadura que constantemente corrompe o idealismo perfeccionista de uma alma que busca desfazer-se de qualquer mal que possa haver. Vi nisso a primeira vaidade e conclui que havia potencial sob essa capa de humildade com a qual me cobria. Olhar para rua e ver a vaidade em tudo. Ver o amor sob esse prisma, o companheirismo, a dedicação e concluir que de nada mais queria sentir orgulho pois dele partiam essas possibilidades. Ver que sempre tudo que buscava negar para extirpá-la me fazia consolidar ainda mais este ranço no que fazia e que buscava em terceiros. Começa uma descrença que leva à procura de mais formas de maledicência, talvez por querer chegar a uma afirmação visceral de que não há maneira de escapar disso.
Assim começo a ver que cada pecado se satisfaz em outro e se regenera e se nutre, por que tenho preguiça de me livrar da vaidade e por que a ira que me toma a partir desta conclusão, me faz cobiçar qualquer sinal de sucesso em outro. Como não consigo, invejo e por invejar tento me recompensar, me abster dessas sensações, me furtar de qualquer realidade, mergulhando numa procura por outras formas de afirmar minha humanidade defeituosa.
Que formas de defeitos, que perfeição de formas, os sabores, os aromas, o prazer de sorver, o sorver que dá prazer e desta maneira me ofereço pães e circo indefinidamente. A luxúria me encanta por que sinto-a bem, por que me envaideço, por que com ela cobiço alguém. É circo que me desperta o gozo por tudo que é mundano, e me engana por que mesmo querendo dar fim a isto, não consigo deixar de querer sentir. E de igual forma com a gula se procede, por que deixar de sentir é a única preguiça que me parece louvável. Novamente me assombra a magnitude da ira que constato por mim. O ódio, a repulsa.
Me auto-destruo diariamente e numa dualidade como céu-inferno, me reconstruo. Como se houvesse cá dentro o meu inferno e o meu céu, como se um demônio me escancarasse o quão imperfeita posso ser, e também, um anjo me avisasse sobre a possibilidade de êxito de tentar, incansavelmente, vencer esse instinto. Acabo apreendendo a tal questão do escrever certo por linhas tortas, pois com o demônio me resigno e com o anjo me envaideço.

06 abril, 2005

O medo da culpa que me envergonha

A vergonha é sentida espaçada, como uma chuva contínua e rala que dura, dura demais. Sem sentir eu sinto vergonha, por que assim como o medo, não escolho esse tremor inquieto abaixo do umbigo, por que parece que não tenho defesa contra essa invasão. Uma invasão que não dói, mas que me faz temer a dor, pois o medo instala outros medos e a vergonha assim o faz também. Acontecem sensações, nascem conclusões e nada é palpável; no entanto, a possível concretização do que se imagina chega a me enlouquecer por segundos ou minutos, antes que minha consciência tente me proteger.
Me acostumei a implorar por essa proteção, e esse pedido é sempre consciente. Nasceu daí uma fé em um recurso próprio de manutenção da sanidade, mesmo que seja superficial. Isso me deixa livre de culpar-me ao longo do dia, o que não me absolve da noite que não tarda. Da chegada à casa e ao folgar dos pés dos sapatos. O relaxar é fundamental para voltar à sensação de vergonha, medo e culpa. E sem poder relaxar para não perder esta proteção mal projetada, acabo me percebendo só numa poltrona qualquer sem tirar as roupas, ou largar a bolsa e principalmente, sem tirar os sapatos, buscando um desconcentrar próprio de uma fuga indigna para minha coragem moldada por uma sociedade que condena a covardia. Chega então um momento em que me admito covarde para concluir, seja uma mentira, seja uma verdade.
A covardia é o recurso, é a proteção, mas observe, é de fato mal projetada por um raciocínio instintivo de sobrevivência, quem sabe de um campo ancestral de minha consciência? E é assim, por que me desperta culpa por senti-la. Por que embora este campo primitivo me permita a covardia, há ainda um mundo inteiro que me ordena enfrentá-lo mesmo que dele eu saia derrotada. Volto a temer, pois a derrota não me passa pela garganta, inclusive para que não me sufoque o coração. E há um momento em que não sei mais se me envergonho por temer, se me culpo por isso ou se temo a vergonha. São todas, várias sensações idênticas localizadas, como disse, abaixo do umbigo, mas não sei como, sinto uma distinção cruel entre elas. Isso me faz percebê-las em maior quantidade do que sou capaz de esquecer, por que não as esqueço, e sim abandono em algum outro campo primitivo que um dia há de se esgotar e jorrar toda essa angústia de volta para a minha vida.