06 abril, 2005

O medo da culpa que me envergonha

A vergonha é sentida espaçada, como uma chuva contínua e rala que dura, dura demais. Sem sentir eu sinto vergonha, por que assim como o medo, não escolho esse tremor inquieto abaixo do umbigo, por que parece que não tenho defesa contra essa invasão. Uma invasão que não dói, mas que me faz temer a dor, pois o medo instala outros medos e a vergonha assim o faz também. Acontecem sensações, nascem conclusões e nada é palpável; no entanto, a possível concretização do que se imagina chega a me enlouquecer por segundos ou minutos, antes que minha consciência tente me proteger.
Me acostumei a implorar por essa proteção, e esse pedido é sempre consciente. Nasceu daí uma fé em um recurso próprio de manutenção da sanidade, mesmo que seja superficial. Isso me deixa livre de culpar-me ao longo do dia, o que não me absolve da noite que não tarda. Da chegada à casa e ao folgar dos pés dos sapatos. O relaxar é fundamental para voltar à sensação de vergonha, medo e culpa. E sem poder relaxar para não perder esta proteção mal projetada, acabo me percebendo só numa poltrona qualquer sem tirar as roupas, ou largar a bolsa e principalmente, sem tirar os sapatos, buscando um desconcentrar próprio de uma fuga indigna para minha coragem moldada por uma sociedade que condena a covardia. Chega então um momento em que me admito covarde para concluir, seja uma mentira, seja uma verdade.
A covardia é o recurso, é a proteção, mas observe, é de fato mal projetada por um raciocínio instintivo de sobrevivência, quem sabe de um campo ancestral de minha consciência? E é assim, por que me desperta culpa por senti-la. Por que embora este campo primitivo me permita a covardia, há ainda um mundo inteiro que me ordena enfrentá-lo mesmo que dele eu saia derrotada. Volto a temer, pois a derrota não me passa pela garganta, inclusive para que não me sufoque o coração. E há um momento em que não sei mais se me envergonho por temer, se me culpo por isso ou se temo a vergonha. São todas, várias sensações idênticas localizadas, como disse, abaixo do umbigo, mas não sei como, sinto uma distinção cruel entre elas. Isso me faz percebê-las em maior quantidade do que sou capaz de esquecer, por que não as esqueço, e sim abandono em algum outro campo primitivo que um dia há de se esgotar e jorrar toda essa angústia de volta para a minha vida.