07 abril, 2005

Cá dentro uma dualidade

Andando em uma rua dei-me conta da vaidade. Olhei para o mundo e enxerguei, numa vista escurecida pelo pessimismo a tal fogueira de que me falaram. O pior foi olhar e me ver ardendo nela, sem ao menos sentir a queimadura que constantemente corrompe o idealismo perfeccionista de uma alma que busca desfazer-se de qualquer mal que possa haver. Vi nisso a primeira vaidade e conclui que havia potencial sob essa capa de humildade com a qual me cobria. Olhar para rua e ver a vaidade em tudo. Ver o amor sob esse prisma, o companheirismo, a dedicação e concluir que de nada mais queria sentir orgulho pois dele partiam essas possibilidades. Ver que sempre tudo que buscava negar para extirpá-la me fazia consolidar ainda mais este ranço no que fazia e que buscava em terceiros. Começa uma descrença que leva à procura de mais formas de maledicência, talvez por querer chegar a uma afirmação visceral de que não há maneira de escapar disso.
Assim começo a ver que cada pecado se satisfaz em outro e se regenera e se nutre, por que tenho preguiça de me livrar da vaidade e por que a ira que me toma a partir desta conclusão, me faz cobiçar qualquer sinal de sucesso em outro. Como não consigo, invejo e por invejar tento me recompensar, me abster dessas sensações, me furtar de qualquer realidade, mergulhando numa procura por outras formas de afirmar minha humanidade defeituosa.
Que formas de defeitos, que perfeição de formas, os sabores, os aromas, o prazer de sorver, o sorver que dá prazer e desta maneira me ofereço pães e circo indefinidamente. A luxúria me encanta por que sinto-a bem, por que me envaideço, por que com ela cobiço alguém. É circo que me desperta o gozo por tudo que é mundano, e me engana por que mesmo querendo dar fim a isto, não consigo deixar de querer sentir. E de igual forma com a gula se procede, por que deixar de sentir é a única preguiça que me parece louvável. Novamente me assombra a magnitude da ira que constato por mim. O ódio, a repulsa.
Me auto-destruo diariamente e numa dualidade como céu-inferno, me reconstruo. Como se houvesse cá dentro o meu inferno e o meu céu, como se um demônio me escancarasse o quão imperfeita posso ser, e também, um anjo me avisasse sobre a possibilidade de êxito de tentar, incansavelmente, vencer esse instinto. Acabo apreendendo a tal questão do escrever certo por linhas tortas, pois com o demônio me resigno e com o anjo me envaideço.