09 outubro, 2004

Despedida

As mãos começaram um movimento incerto, inicialmente lento, quase carinhoso. O desenvolver da relação foi difícil, demorado. As mãos pareciam não se aceitar.
O segundo movimento começou conturbado, um crescendo sutil, ainda desencorajado pela dificuldade. Mesmo com tantos impedimentos , as delicadas falanges dos dedos brincavam mais acostumadas, mas as mãos ainda não haviam sido totalmente convencidas, precisavam ser conquistadas. E assim foram. Perceberam depois de certo tempo, que só ali eram livres. Ficaram leves, ondulando, levando os braços, levando o corpo para bem longe.
O terceiro movimento era intenso, explorava qualquer espaço e criatividade que lhe eram permitidos. Agora, o auge impunha uma tomada de decisão quase óbvia, era isso que deveriam sempre fazer, mesmo que para conseguir a liberdade, tivessem que passar pela dor, disciplina e às vezes, pelo próprio desânimo.
Antes do fim, uma pequena lembrança do passado, de uma quase infância. A retomada de sua indecisão para engrandecer sua vitória sobre o medo. Um final agradável para seus ouvidos e uma aconchegante conclusão para sua carreira.
O velho pianista fechou a tampa do instrumento, agradeceu a ele e saiu do palco.