03 outubro, 2004

Introspecções

De repente ela olha pela janela e vê o mundo. Não mais aquela paisagem cosmopolita, desalinhada de arranha-céus, e sim, um horizonte aberto para seus desejos e seu futuro. Horas antes, naquele início de tarde fresca, tinha se perdido em seu olhar defronte ao espelho, ainda sonolenta. Acordara tarde. Do rosto refletido às mais diferentes formas de face bastou um instante. Num relance havia extravasado o impressionismo mais destilado. Parecia ver pessoas nela mesma, mas que rondavam um mesmo ponto, talvez uma característica comum a todas. Imagens vagas, etéreas, mas presentes. Minhas irmãs, pensou. Talvez residentes de um mesmo prédio. Fato é que por poucos minutos se manteve em pé, para depois começar a se sentir viva e acordada. Deu-se por satisfeita com o café.
Todos da casa haviam saído, o silêncio reconfortava, já que sua cabeça ainda latejava devido a noite passada. Se jogou na cama e dali observava a janela, sua grade, os móveis do quarto, começando mais uma viagem por vários lugares, idéias; tinha o hábito de se perder em pensamentos dispensáveis após horas de cansaço. Céu... E para aquele azul tão profundo, tão dela... Se sentia parte do azul, densa, dispersa, diluída em si mesma. Como se os pensamentos, os sentimentos e até a própria carne enfraquecessem o seu propósito de vida. A onda de abstração durou um bom tempo, horas talvez. Vivia agradavelmente o lilás e o alaranjado do céu, calmamente...degustando a crença em sua racionalidade imaginária, sentindo o vento esfriar. Mergulhara há muito, imaginando afogar-se com seu próprio pensamento...Não! Sacudiu a cabeça e foi ter com o lápis, mas este não se manifestava. Precisava escrever. Embriagada de querer coisa alguma, de inércia. O torpor do ócio era aconchegante até o alarme da consciência. Maldita! Agora tinha que se sentir útil. Hipocrisia? Mostrar serviço para si mesma, se convencer de que era indispensável.
Resolveu telefonar. Qualquer um, qualquer problema alheio que aumente a conta telefônica e que garanta um sono tranqüilo no final do dia. Para, e olha o telefone, se contém. De impulso se xinga, inicia um auto diálogo na tentativa de se corrigir até que tomada por surpreendente objetividade, estabelece planos - a maioria a longo prazo- certa de que os realizará. Cheia de confiança olha a janela novamente, e esta se torna um espelho, mágico possivelmente; mostrando-lhe impressões, distorções que forçosamente lhe indicam a concretização dos planos ainda há pouco inventados. Olha a janela, as grades vão sumindo, os prédios vão sumindo, meio que difusos; olha pela janela e vê o seu mundo.